Archive for the ‘Filosofia’ Category

Income Right: o Copyright melhorado

March 21, 2013

Essa é uma ideia que eu tenho a muito tempo sobre a distribuição das “obras intelectuais protegidas” (esse é o termo usado na lei nº 9.610, dos direitos autorais), mas que eu nunca vi expressa dessa forma, e que poderia ser uma solução interessante para a legalização da pirataria.

As leis de direito autoral variam pelo mundo; no Brasil, além do direito de cópia (“copyright”, em inglês) que existe em todas, a lei prevê os direitos morais do autor, que dá o direito legal à pessoa física do autor de ser reconhecido pela sua obra, não importa se a pessoa foi contratada ou não para realizar o trabalho, ou de quem detém os direitos de cópia e distribuição. Isso é um avanço que existe em nosso país e em alguns outros pelo mundo.

O princípio moral de que o autor tem o direito inalienável de ser reconhecido por sua obra não possui nenhum fundamento comercial ou financeiro, mas é aceito pelas pelas pessoas e, portanto, não deixa de ser um direito devidamente legalizado.

Também é totalmente aceito pelas pessoas o princípio moral de que os autores devam ser pagos por sua obra, fruto de seu trabalho e esforço. Daí deriva o direito de cópia previsto em Lei. Mesmo muitos piratas se vêm em situação não conseguir refutar totalmente esse princípio moral: existem vários argumentos contra, mas nenhum ataca essencialmente o ponto de que existem autores que trabalham arduamente em suas obras, não são ricos, precisam da sua receita como autores para sobreviver, e têm o direito de serem pagos por suas obras. Quando nós pirateamos Harry Potter, e nos preocupamos em explicar moralmente nossas ações, nós nos limitamos a dizer: “a Warner e a J. K. Rowling já são ricos o suficiente, não precisam de mais dinheiro”.

Bem, daí que eu trago mais um princípio moral comumente aceito, e que deveria, também, ser defendido pela Lei, mas não o é: o direito da sociedade de ter acesso irrestrito à cultura e informação. Toda e qualquer pessoa no planeta deveria ter direito irrestrito a qualquer livro, filme, desenho, peça de teatro, artigo científico, música, etc, que já tenha sido feito público um dia. Esse é o sentido da palavra “publicar”: dar ao conhecimento público, não restringir seu acesso, mas o contrário, encorajá-lo.

E o que temos hoje? Quando alguma obra intelectual é publicada, o que chega a nós, público? Livros de luxo superfaturados, livros esgotados, livros difíceis de conseguir, filmes que já saíram a um tempão em outros países mas que só chegaram aqui agora, filmes guardados em rolos na Cinemateca Brasileira que só quem tem um cinema devidamente equipado e recursos necessários para ir até lá retirar o rolo que podem assistir, discos de filmes com restrições geográficas para reprodução, discos de filmes e música que custam 50 centavos para serem produzidos mas são vendidos 100 vezes mais caros, e um caminhão de atrocidades do tipo que só a escassez artificial desses produtos poderia produzir.

E enquanto o copirraite deveria proteger a módica receita financeira do autor, ela cria a escassez artificial que restringe nosso acesso à cultura e informação e dá superpoderes às grandes organizações que controlam a indústria cultural e de publicações científicas. Escassez é um termo chave na economia; ela é um fator determinante no valor das coisas materiais. O exemplo clássico é o do diamante: se este fosse tão comum quanto areia, valeria tanto quanto vidro, mas como é raro, é caro. Mas o que aconteceria se todo mundo pudesse, ao pegar um diamante, duplicá-lo, de modo que a cópia fosse indistinguível do original? Quanto tempo demoraria para que qualquer um pudesse ter quanto diamante quisesse? Existiria escassez real de diamante?

O que eu chamo de “escassez artificial” se contrapõe com a escassez real que existe com diamante, comida, água, e praticamente tudo que é material: se tomarem de você, você fica sem. Já nas obras do intelecto, esta limitação é quase anulada pela tecnologia: custa muito pouco copiar um DVD ou uma foto digital, e a cada cópia feita, uma outra pessoa poderá se beneficiar da obra. Não há escassez intrínseca: podem ser criados quantos forem necessários, não há limitação natural para isso. Daí vem o copirraite para impor artificialmente essa limitação: só o autor ou aqueles por ele autorizado podem copiar, do contrário, terão de se ver com a Lei.

A proposta padrão do Partido Pirata inclui: diminuição do prazo de validade do copirraite e legalização da cópia sem fins lucrativos. Minha proposta é um pouco diferente, mas acredito ser mais fundamental: proibir explicitamente o controle artificial sobre a distribuição das produções e deixar o livre mercado agir. Basicamente, o “copyright” se tornaria um “income right”, o autor (ou qualquer um para quem ele tenha vendido os direitos comerciais) não teriam nenhum direito de restringir a cópia e distribuição de suas produções, mas por outro lado, se alguém o fizesse comercialmente, deveria pagar uma fração (predeterminada na lei) de seu lucro por unidade vendida ao detentor do direito comercial. Naturalmente, se a cópia ou distribuição fosse feita de graça, o autor não teria nada a receber, e a prática seria perfeitamente legal.

Desta maneira, o trabalho de distribuição seria uma atividade econômica separada, viável, regida pelas leis de mercado da oferta e da procura, totalmente dissociada do processo criativo. Qualquer editora ou gráfica poderia legalmente produzir e vender edições econômicas em papel mais barato de best-sellers caros em edições luxuosas. Qualquer distribuidora poderia distribuir o filme de qualquer estúdio. Serviços de distribuição online poderiam surgir e seriam restritos apenas pela sua qualidade.

O consumidor final pagaria pela conveniência do meio em que a obra foi distribuída, e não pelo preço arbitrariamente determinado pelo único autor. Há de se convir de que “file-sharing” não é um meio muito acessível para a maioria das pessoas; frequentemente é mais fácil pegar o filme na locadora, ou comprar o DVD copiado de algum camelô na rua (que a propósito, teria sua atividade legalizada, contanto que pagasse a parte devida ao autor). Legalizar somente a cópia sem fins lucrativos resolveria apenas parcialmente o problema, enquanto que legalizar a atividade comercial de piratas locais, conquanto os autores sejam devidamente compensados, tem uma abrangência social muito maior.

Não é uma questão de somente poder baixar as coisas por torrent, é uma questão de facilitar o acesso para qualquer um que queira ter acesso, mesmo que essa pessoa nem computador tenha. É uma questão de dar a milhares (milhões?) de obras que estão mortas e enterradas no anonimato o direito de serem publicadas por qualquer um que ache que elas valham o esforço, não importando o interesse e motivações do autor (que pode nem estar vivo).

Para que realmente serve o software?

January 4, 2013

Dada a atenção indevida atraída pelo post “Para que serve o software?“, onde leitores casuais desavisados caíam na armadilha de ler uma coisa que não tinha nada a ver com o que procuravam, me senti na obrigação de escrever um post (anos depois) explicando realmente, em nível técnico-didático-objetivo, para que serve o software, e não aquela baboseira que era o post original.

Software é um estrangeirismo vindo do inglês que antagoniza a palavra hardware, que significa: “hard” -duro; “ware” -bem de consumo, mercadoria. O termo originalmente utilizado para designar pequenas peças de metal, adquiriu um novo sentido no século XX: designar a parte dura, material do computador. Daí, já que “hard” é duro e “soft” é mole, não custou nada para alguém cunhar a palavra software, que em contrapartida ao hardware, designa a parte lógica do computador, seus procedimentos de funcionamento, seu “conjunto de instruções” (e coloco “conjunto de intruções” entre aspas porque, apesar de as pessoas normais conseguirem entender muito bem o sentido que dou aqui a esta expressão, já posso prever eventuais leitores programadores reclamando disso e dizendo que “conjunto de instruções” é uma propriedade de arquiteturas de processadores e coisas afins; mas não é este sentido que aplico aqui).

Para entender melhor, é preciso saber que computadores são mais que simples calculadoras gigantes (embora pareça, e muitas pessoas os usem assim); têm uma característica fundamental que os diferencia de calculadoras puras: eles são programáveis (tá, tem calculadoras programáveis, mas isso também as define como computadores). Significa que um computador é uma máquina feita para seguir instruções precisas, um conjunto de passos bem definidos, orientados para algum propósito (bem, assim esperamos, mas nada impede você de programar o seu computador para fazer coisas sem propósito, ou de rodar programas despropositados nele), e essas instruções podem ser alteradas sem ter que se reconstruir a máquina. As tarefas dadas aos primeiros computadores (dado o contexto da Segunda Guerra Mundial) eram cálculos de trajetórias balísticas e decifragem das comunicações inimigas.

Mas o computador não sabia fazer isso sozinho. Como calcular a trajetória das balas de canhão, Isaac Newton já ensinou para todo mundo faz muito tempo, então coube a alguém que aprendeu com ele ensinar ao computador como fazê-lo. Esse alguém (mais provavelmente, vários alguéns) já o sabiam como fazer à mão: existe um conjunto de passos bem definidos e fórmulas já bem conhecidas para o procedimento; não é necessário nenhuma intuição ou criatividade para realizá-lo, só é preciso saber como se faz e repetir o processo. Só que fazer isso à mão é lento e passível de erro, porque pessoas se cansam e se distraem, especialmente se for um trabalho chato como esse. Daí os engenheiros programaram a sequência de passos objetivos que o computador deveria seguir para chegar ao resultado, o procedimento para realizar a tarefa, e é precisamente esse procedimento, codificado na língua do computador, que é o software.

Descifrar códigos secretos é um trabalho mais chato ainda, tem que ficar testando muitas variações e técnicas de decifragem em cima do código, até sair alguma coisa legível. Como um computador é muito mais rápido que uma pessoa, ele é bastante adequado para a tarefa, desde que ele saiba de antemão quais técnicas e em que ordem elas devem ser aplicadas ao texto. Esses técnicas, dadas em ordem bem definida, e codificadas na língua do computador, constituem o software.

Veja que estresso a importância da “ordem” do procedimento. Alguém poderia perguntar: mas e se o computador aplicasse as técnicas em ordem aleatória? Então eu responderia que daí não é um computador. Um computador é incapaz de uma ação aleatória. Nem mesmo consegue escolher uma carta de um baralho fechado. O melhor que ele consegue é chamado de “pseudoaleatório”: ele segue um processo tão esquisito, matematicamente forjado para este propósito, que simula aleatoriedade, porque a distribuição dos valores gerados por esse processo é uniforme e aparentemente imprevisível. Mas se depois de gerar um bilhão de números pseudoaleatórios, você “rebobinar” o computador para o ponto em que ele começou, ele gerará exatamente os mesmos números. É uma disciplina abrangente e complexa o estudo dos processos de geração de valores pseudoaleatórios, que se justifica por essa incapacidade dos computadores.

É claro que alguém pode desenvolver alguma engenhoca que gera eventos aleatórios e ligá-la ao computador (e isso é comummente feito nos computadores, com o hardware de geração de número aleatório), ou guardar parâmetros de eventos externos aleatórios, como as ações dos usuários humanos, e usar isso para sortear suas ações, ou qualquer ideia do tipo que com certeza alguém já pensou, mas do processo puro da computação, decorrente da execução de um software, uma ação aleatória é impossível. E isso é óbvio se considerarmos que um software é uma sequencia bem definida de passos: se é bem definida, não pode ser aleatório.

É uma questão física/filosófica se eventos realmente aleatórios existem no mundo real; se tivermos todos os parâmetros de um dado e a força com que foi lançado, podemos calcular precisamente como ele cairá. A existência, portanto, admitiria algo realmente aleatório? Certamente podemos detectar eventos aleatórios na física quântica, mas não seriam eles parte de um processo mais primordial que ainda não entendemos? Essa incerteza sobre a natureza da realidade leva à especulação mais fascinante da computação teórica: seria a realidade um software, uma simulação? Se sim, ela não é fundamentalmente diferente de nenhum simulador ou jogo de computador que jogamos, somente maior. Claro que essa ideia é refutada por aqueles que acreditam na superioridade do intelecto humano sobre o computador, eles argumentam que um computador nunca poderá ter consciência, criatividade, imaginação, etc, e portanto é fundamentalmente incapaz de reproduzir a realidade, mesmo se fosse grande o suficiente, já que obviamente há vida consciente nesta realidade que ele seria incapaz de reproduzir.

Divagações filosóficas à parte, agora que já expliquei o conceito teórico fundamental sobre o software, vamos à parte prática. Na década de 1950 o software era tão pequeno que não era nada além de um procedimento de cálculo balístico, um mero acessório do computador. Hoje em dia software vem em todos os tamanhos, e pode ser tão grande que o custo do computador é irrelevante perto do seu custo. Antigamente o software tinha que ser projetado para um computador específico, cada computador tinha seu próprio “conjunto de instruções” suporatas (agora sim, no sentido ortodoxo do termo), sua própria linguagem para montar os programas (linguagem de montagem, assembly em inglês), e embora equivalentes, eram incompatíveis (você pode expressar as mesmas idéias em português ou alemão, portanto são línguas “equivalentes” para o propósito de comunicação, mas quem só fala português não entende alemão, portanto são “incompatíveis”). O programa de um não rodava no computador do outro. A lógica era: o fabricante projetava e fazia o computador do melhor jeito que pudesse dentro dos recursos, depois os programadores se viravam para (re)escrever os programas.

Hoje o software é mais valioso que a máquina em si, dezenas de fabricantes diferentes fazem computadores compatíveis entre si, só para poderem funcionar com o software já existente. O software se tornou tão grande que os cálculos e processamentos úteis realizados pelo computador se perdem no meio de firulas gráficas, sons, animações e coisas piscando, mas tudo criado fundamentalmente do mesmo jeito: bilhões de instruções executadas por segundo para decodificar um filme 3D FullHD com som 8.1 surround, todas executadas passo a passo, bem definidas, perfeitamente ordenadas, totalmente previsíveis, e com seus efeitos cuidadosamente planejados pelos programadores e engenheiros. Cada pixel da tela precisamente identificado por suas coordenadas cartesianas X e Y têm cada um dos seus três canais de cores (vermelho, verde e azul) definidos pelo preciso processo de funcionamento do software, que instrução por instrução, diz para o computador exatamente o que fazer com aqueles dados vindo do disco de Blu-Ray para chegar naquela intensidade daquela cor daquele pixel naquela posição da tela que você observa por menos de um vigésimo de segundo enquanto o filme passa.

Nossa, isso foi dramático. Na verdade não é bem assim. Computadores modernos na verdade possuem vários processadores, que podem executar vários programas simultaneamente, ou trechos diferentes do mesmo programa, ou então até o mesmo trecho do programa, mas cada um com um pedaço diferente dos dados que precisam ser processados. As possibilidades são bem flexíveis; afinal, é o software (ou o programa) que determina como vai ser; o hardware só obedece. Na verdade verdadeira, dentro da caixa que chamamos computador, podem ter ainda mais processadores, com propósitos específicos que rodam software diferente dos o processadores principais, que é o caso das placas de vídeo, que têm processadores projetados para simular efeitos gráficos tridimensionais.

Todo esse circo do computador moderno é coordenado pelo software mãe: o sistema operacional. Ele é primeiro software que liga e último que morre (bem, quase). Ele determina como todos os outros programas serão executados, em que ordem eles serão executados, como interagirão entre si e com o usuário e como eles se alternarão entre os recursos do computador rápido o suficiente para que você ache realmente que todos os programas que você tem aberto funcionam simultaneamente (não fosse assim, um Quad-Core não poderia rodar mais que quatro programas ao mesmo tempo). Ele também controla todo o hardware, sabe do que o hardware precisa, quando precisa e sabe se comunicar com ele (os famosos drivers), traduzindo de/para os outros programas o funcionamento do mouse, do teclado, do vídeo, do som, da rede, etc. Tudo isso com seu descrito passo a passo, instrução por instrução, que é pacientemente lida, decodificada e executada pelo processador, bilhões de vezes por segundo…

Natal

December 5, 2010

É tão grande a alegria em tê-los, meus amigos
Que triste que não estamos no mesmo local
Pois cada qual lembre com seus entes queridos
Por quem é que comemoramos o natal?

Recordem-se também daquilo que aprendemos
Do que nos ensinou quem nasceu no natal
Lições das grandes virtudes que recebemos
A esperança, a fé, e o amor incondicional

Por muito tempo foram segredos da vida
Que vindos do natal, foram-nos revelados
Fariam de todos uma nação unida
Nem que somente no natal fossem lembrados

Tenham sempre consigo a virtude do amor
De longe, a mais plena realização humana
Muito bem faz quem amar aquele que te ama
Faz ainda melhor amar a quem te traz dor

Quanto à fé, rezo para que todos a tenham
Percebam, no mundo, o que supera a razão
E que sinta, cada qual, em seu coração
A grande certeza da divina união

Finalmente, tratemos do que é nosso alívio
Quando não temos, no mais, ao que se agarrar
Do desespero nos livramos por um fio
Com a esperança que tudo vai melhorar

Digo-lhes isso, amigos, com boa intenção
Creio assim ser o que mais vale no final
Ainda desejo a todos, de coração
Que tenham um muitíssimo feliz natal

Foi escrita em 2009, na madrugada de 24 para 25 de dezembro, em resposta a um e-mail de feliz natal de alguns amigos. E antes que algum infeliz venha lembrar, eu sei que a data é uma convenção…

Para que serve o software?

August 12, 2010

Atualização: O nome desse post faz com que algumas pessoas cheguem até aqui procurando por uma explicação mais objetiva do propósito de um software, e não a baboseira pseudo-filosófica que constituem o resto desse post; se você for um desses, por favor tente este outro post: Para que realmente serve o software?

De alguma postagem que eu fiz em algum fórum a muito tempo atrás… as alternativas são:

  1. Encher a barriga do programador.
  2. Ser pirateado.
  3. Fazer o computador funcionar.
  4. Facilitar a vida das pessoas.

Todas as alternativas têm seu fundo de verdade, mas prefiro acreditar que as primordiais são 3 e 4. Veja só, o software não foi inventado para deixar o Bill Gates rico, ele nada mais é do que o acessório maior do computador, que no final das contas foi feito para aumentar produtividade/facilitar o trabalho (depende de qual ponta você está enxergando). Daí tiramos a idéia básica de que software é uma ferramenta.

Analisemos as ferramentas em geral: alguém inventa uma ferramenta. Projeta, fabrica em série e vende. O preço final cobrado é, em sua maioria absoluta, o preço da matéria prima e dos custos de produção; o preço do projeto é um investimento cujo o retorno é completamente diluído no preço do produto final. Se você vende muito caro, alguém compra sua ferramenta, copia e vende mais barato (ou mesmo lê a sua patente, que é um documento publico).

Agora ao software: o único custo em se desenvolver o software é o “projeto” (em um sentido mais amplo, não “projeto de software”), pois o custo da produção em série é nulo, ou quase nulo. Software, em sua forma básica, não pode ser vendido, pois não é físico; uma cópia do software é vendida, e seu custo é ínfimo. É desse custo que deriva o preço do software pirata vendido nas ruas. Neste contexto, pela sua natureza especial como ferramenta, um software poderia ter alguma legislação própria, algo como alguma lei de propriedade intelectual específica que regulasse sua exploração por tempo determinado por seu fabricante.

Agora o que ocorre no mundo real. Software não tinha nenhuma regulação legal até que algum infeliz conseguiu inserí-lo na lei de “Copyright” estadunidense. A partir daí, da decisão de algum juiz estrangeiro que não ponderou as diferenças cruciais entre um software e uma obra literária qualquer, a idéia se espalhou pelo mundo e impregnou a nossa consciência: a lei de propriedade intelectual desenvolvida para obras literárias e artísticas também vale para software.

Começaram os abusos amparados pela lei: um software que tem um certo custo para ser produzido e mantido passou a ser vendido muitas vezes mais caro que o seu próprio custo, de modo que mesmo que 80% do software utilizado no mundo fosse pirata, o que foi pago já era suficiente para tornar os donos das empresas de software as pessoas mais ricas do mundo.

Bem, o software livre surgiu concomitante à aplicação da lei de direito autoral ao software: era um movimento dos desenvolvedores de software que viam o absurdo do que estava sendo feito: o software, ferramenta fundamental ao progresso da humanidade, sendo tratado de forma mesquinha para a criação de fortunas particulares, tudo isso amparado pela lei.

Chegamos no estágio que é hoje: as pessoas se esqueceram dos primórdios, a maioria nem tem idade para se lembrar ou não tomou conhecimento/deu a devida importância na época. É óbvio, está na cara, todos vemos que o modo de lucrar com software é patológico. A pirataria é estrutural, necessária e economicamente inexplicável. O software livre, que antes era restrito aos desenvolvedores mais antigos e não passava de birra, na última década contagiou usuários e novos desenvolvedores, na minha humilde opinião, como indicador social da falência do modelo econômico atual do software.

A Pirataria, o Povo e a Lei

July 19, 2010

Um evento recente ocorrido em São Paulo, noticiado na Folha em O Globo me motivou a pensar (ainda mais) no assunto. Até fiz descobertas decepcionantes sobre a lei brasileira.

Poderia resumir a notícia em: foram presos os donos de um site, por onde praticavam atividades ilegais. Responderão por um crime previsto no Código Penal Brasileiro e por formação de quadrilha, já que várias pessoas estavam envolvidas na feitura e manutenção do site. Se o crime fosse pedofilia, as pessoas falariam: “bom trabalho, polícia”. Entretanto, os comentários feitos pelos leitores dos dois jornais estão mais para “vão caçar bandidos” e “isso não é crime”, dentre outras coisas do tipo.

O crime em questão (fiz questão de olhar a lei apontada pela Folha, que, diga-se de passagem, tem uma reportagem muito mais completa, bem escrita, e menos tendenciosa do que a feita pelo O Globo), artigo 184 do Código Penal, se constitui basicamente da violação do direito autoral com a finalidade do lucro. Ao contrário do querem fazer você acreditar, o código diz explicitamente que ter uma cópia para uso pessoal não é crime.

A reportagem na Folha salienta que os donos do site ganhavam dinheiro através de propaganda e de doações, o que poderia ser considerado “lucro” para enquadrá-los no crime mencionado no Código Penal. Já a reportagem do Globo diz: “Um engenheiro de 32 anos […] foi preso […] pos suspeita de promover a pirataria na internet”. Desconsiderando a troca do “r” pelo “s” na palavra “por”, erro detectável por qualquer corretor ortográfico, a reportagem também peca por definir o crime como “promover a pirataria na internet”. O termo “pirataria” diz respeito a tantas coisas diferentes que a sentença pode significar desde incentivar pessoas a abordarem, de barco, outras embarcações para pilhar e matar (pirataria no sentido original), quanto a ensinar a fabricar cigarros com barbante e fezes de morcego e vender como se fosse Hollywood (cigarro pirata).

Claro que o contexto tornava a sentença bem óbvia e provavelmente todo mundo que leu entendeu como o redator queria que fosse entendida, já que foi escrita exatamente da forma como a indústria fonográfica interpreta e divulga a Lei de Direito Autoral: cópia de filmes e músicas pela internet é pirataria, uma prática extremamente vil e maligna, que deixa artistas, com seus cachês milionários, à beira da fome e da miséria.

Foi uma surpresa para mim saber que violação de direito autoral, mesmo que com o intuito de lucro, é uma ofensa criminal, prevista no Código Penal. Não é trabalho digno, que mereça remuneração, pegar um CD original, gravar dezenas de cópias, imprimir encartes, capas e montar caixinhas, e ir para a rua vender? É um trabalho cujo a renda sustenta muito mais famílias pelo Brasil do que a renda obtida com o preço obsceno dos CD’s originais. Claro que, enquanto alguns querem que as pessoas se sintam culpado por copiar filmes e música, as reações nos comentários das reportagens mostram que a maioria não pensa assim, e que eu não estou sozinho nas minhas convicções. O simples fato de ter gente tentando convencer que pirataria realmente é um crime horrível (e isso eu só achei dentre os comentários de O Globo), só mostra que as pessoas precisam ser convencidas disso, e que a lei não é natural, discordando da consciência coletiva. Se bem me lembro das aulas de filosofia no colégio, a lei deveria ser a representação escrita da consciência coletiva.

Você está satisfeito com a atual realidade da lei no tocante a direito autoral? Achou ruim essas pessoas da reportagem terem sido presas? Achou ruim ter um site a menos na internet onde se pode baixar filmes e seriados? Pois se você faz parte da maioria da população, e responde a estas perguntas do mesmo jeito que eu, deveria considerar que quem está errado nessa história é a lei, e não a população. Deveria pensar que não é a prática das pessoas com relação a lei que precisa mudar, e sim é a lei que deveria mudar seguindo a prática das pessoas.

Existem alternativas propostas com relação à lei de direito autoral atual. Incluem limitar o direito autoral a 15 anos a partir da data de publicação, não proteger materiais que não foram publicados no país ou que não possuem um meio oficial de se obter. Sejam quais forem as mudanças, o mais importante no momento é convencer as pessoas e o congresso de que estas mudanças são necessárias e urgentes. A situação está instável, de um modo que a coisa é ilegal mas praticável. Situações assim não tendem a perdurar (essa prisão é um sinal disso). Que seja essa lei antiga, de antes da internet, que se adeque a nós, e não nós a ela. Eu não quero falar um dia para o meu filho: “Na minha época, podia se conseguir praticamente qualquer filme ou música existente de graça pela internet, na maioria das vezes, de um dia para o outro. Hoje já não se consegue mais fazer isso… e eu não fiz nada para impedir que nos tirassem essa liberdade.”